terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sofrimento...





A associação íntima entre sofrimento e prazer não se  aplica somente ao corpo. A experiência humana demonstra  que  essas duas qualidades acham-se entrelaçadas.  Freqüentemente,    o prazer intenso só aparece depois de uma luta prolongada.
Um dos meus amigos costuma  fazer  longas  caminhadas  pelas montanhas. É uma atividade árdua e cansativa, que o leva aos limites da sua capacidade física. Ao fim do    dia,  ele  se joga exausto no saco de dormir e acorda  cheio  de  dores  e arranhões.  Tropeçando  nas  pedras  soltas  e  atravessando passagens difíceis pelas rochas, ele  fica com  os  músculos doídos, machuca os seus dedos, e sente muita dor. Mas o  meu amigo relata que, no meio de todas  estas  experiências,  os seus sentidos são  grandemente    afetados.  Parece  que  se tornam mais vivos. Quando ele respira  grandes  golfadas  de ar, torna-se mais consciente da existência do ar. Seus olhos e os seus ouvidos   ficam mais atentos ao que se passa do que normalmente. Certa vez,  depois  de  andar  uma  tarde  numa neblina fria, ele explorou os seus bolsos à procura de  algo para  comer. A  sua  comida  tinha-se  acabado,  sobrava-lhe apenas uma caixa de passas. Negligentemente, abriu a caixa e jogou a primeira passa na boca. Sentiu  um  sabor  incrível. Comeu  outra  e  mais  outra.  Pareciam   até    superpassas, muitíssimo mais gostosas e  refrescantes  do  que  quaisquer outras que houvesse algum dia comido.
O fato de usar o seu corpo, bem como todos os seus sentidos, deu-lhe uma consciência  de  prazer  numa  gama  de  valores inteiramente nova. Ele  jamais  sentiria  tal  sabor,    tão delicioso e extraordinário, em umas simples  passas  se  não fosse  pela  fadiga  e  pelo  esforço  violento  de  escalar montanhas o dia todo.
Num nível mais elevado, a maioria das realizações humanas de grande mérito envolve uma grande história de lutas. Seria  o prazer possível sem o processo da  dor? O  prazer,  vindo depois da dor,  absorve-a. Jesus usou o  nascimento  de  uma  criança  como analogia: nove meses de espera, dor excruciante,  e,  então, êxtase absoluto. Há um corolário para o princípio cristão sofrimento/prazer. O real espírito do Cristianismo acha-se no  fato  de  que  a verdadeira  satisfação  vem,  não   por    uma    realização egocêntrica e confortável, mas por meio de serviço tedioso e sofrido.
Não se pode tirar o sofrimento das experiências  da  vida  e condená-lo  severamente.  A  reação  instintiva  de  revolta contra Deus por permitir Ele a dor, é extremamente    fútil. Ela está por demais entrelaçada com as nossas  sensações,  e é,  freqüentemente,  um  passo  necessário  ao  prazer  e  à realização.
Se eu gastar a vida procurando felicidade em drogas, conforto e luxo, terei enganado a mim mesmo.  “A  felicidade foge daqueles  que a perseguem.” A  felicidade  virá  a  mim inesperadamente,  como  subproduto,  como    uma    surpresa adicional, depois de eu ter investido a vida em alguma coisa de valor. E, provavelmente, esse investimento  inclua  muito sofrimento. Sem ele, é muito difícil imaginar o prazer.

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